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GERAL Terça-feira, 11 de Março de 2025, 09:11 - A | A

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GERAL / SAÚDE

Tabagismo: largar o cigarro apenas com força de vontade é exceção; conheça os métodos eficazes

Chances mais que dobram com o auxílio de intervenções como terapia comportamental, adesivo e goma de reposição de nicotina e medicamentos

Por Bernardo Yoneshigue O GLOBO
Rio de Janeiro



Uma meta de Ano Novo que costuma entrar na lista de boa parte dos cerca de 10% dos brasileiros adultos que ainda fumam é abandonar o cigarro. Os motivos não faltam, já que o tabagismo eleva o risco de uma gama de doenças que vão desde diferentes tipos de câncer até problemas cardíacos, diabetes, disfunções reprodutivas e muitas outras. Mas apenas querer é suficiente para sair da dependência?

Especialistas e estudos apontam que o feito é até possível, porém improvável. Quando comparado ao uso de intervenções farmacológicas e comportamentais, as chances de a pessoa conseguir largar o cigarro aumentam consideravelmente. É o que explica a coordenadora da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Maria Enedina Scuarcialupi:

— Não é fácil largar sozinho, costuma ser a exceção. A grande maioria das pessoas precisa de ajuda, como terapia cognitiva comportamental, medicamentos e reposição de nicotina para superar a síndrome de abstinência. Cerca de 5% param sozinhos, e por volta de 50% nos programas de cessação.

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Os estudos que acompanham pessoas que querem parar de fumar mostram de fato essa realidade. Um dos mais recentes, conduzido por pesquisadores da University College of London, no Reino Unido, e publicado em janeiro na revista científica JAMA Network Open, analisou dados de 25 mil fumantes britânicos. Como resultado, aqueles que tentaram parar de fumar sem ajuda tiveram cerca de um terço a menos de chances de sucesso do que aqueles que usaram alguma forma de apoio.

Já uma revisão de 319 ensaios clínicos feita por pesquisadores das Universidades de Oxford e Leicester, com 157,2 mil voluntários, concluiu que a cada 100 pessoas que tentam parar de fumar sem auxílio, apenas 6 conseguem. Essa proporção dobra para aqueles com métodos de reposição de nicotina (12 a cada 100) e chega a 14 a cada 100 com o uso de medicamentos, segundo a publicação na Cochrane em 2023.

— A partir do momento que se começa a usar o cigarro, os receptores de nicotina crescem em proporção geométrica. Nós nascemos com esses receptores, porque a nicotina é um neurotransmissor que usamos para outras coisas na vida, mas quando você fuma, a nicotina entra no cérebro em apenas nove segundos, e esses receptores aumentam muito. Se você tinha 1, por exemplo, vira 4. E aí vai se criando o quadro de dependência. E quando você para, entra num quadro de abstinência muito grave. Por isso parar sem ajuda é muito difícil, você precisa dessensibilizar esse mecanismo aos poucos — explica Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

 

Em julho do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a 1ª diretriz de tratamento clínico voltada para pessoas que querem deixar de fumar. O documento reúne as intervenções consideradas eficazes para a cessação do tabagismo.

A organização estima que 60% dos 1,25 bilhão de consumidores de tabaco pelo mundo (750 milhões) desejam largar o hábito e destaca que as recomendações são válidas tanto para o cigarro convencional, como para os eletrônicos, o artesanal, narguilés, charutos, entre outros.

Segundo a nova diretriz, combinar remédios com intervenções comportamentais é a forma mais eficaz de cessar o tabagismo. Entre as alternativas farmacológicas, há a Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), como adesivos, pastilhas e gomas de nicotina, e os remédios bupropiona, vareniclina e citisina.

Já a intervenção comportamental se caracteriza por estratégias como aconselhamento médico, terapia comportamental cognitiva (TCC) e grupos de apoio. Qualquer estratégia, especialmente a medicamentosa, deve ser recomendada e supervisionada por um profissional.

— A abordagem de terapia é a inicial e funciona para entender de onde vem a dependência, auxiliar a parar de fumar e a manter a abstinência. É uma intervenção muito eficaz e dá um suporte significativo principalmente no momento da abstinência. Mas, para algumas pessoas que têm uma dependência elevada, é indicado também o uso de medicamentos — conta Mariana Pinho, coordenadora do projeto Tabaco da ACT Promoção da Saúde.

O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PCNT), oferece de forma gratuita acesso às terapias de reposição, à bupropiona e a terapia cognitivo comportamental.

Sobre os remédios, Elnara explica que a bupropiona “diminui a vontade de fumar por meio de mecanismos no cérebro que promovem bem-estar e fazem o paciente sentir menos os efeitos da falta de nicotina”.

Já a vareniclina e a citisina, os outros remédios indicados pela OMS, mas indisponíveis no SUS, têm uma ação diferente: se ligam diretamente aos receptores de nicotina no cérebro. A vareniclina é uma alternativa mais antiga, mas que hoje não tem fácil acesso no Brasil nas farmácias, o que é considerado um problema.

— Infelizmente estamos passando por um momento de dificuldade não só no Brasil, mas em outros países. Estamos sem por problemas químicos, contaminação por metal pesado na sua fabricação, segundo a empresa responsável. Mas aqui também não temos o genérico, a que outros países já têm acesso — diz a coordenadora da SBPT.

A citisina tem sido testada apenas mais recentemente para auxiliar a cessação do tabagismo, mas os estudos já indicam um efeito positivo, tornando o fármaco a 1ª nova opção em cerca de duas décadas para ajudar a largar o cigarro.

Em um dos trabalhos, publicado no periódico JAMA, 32,6% (um terço) dos participantes que receberam o medicamento continuavam em abstinência três meses após interromperem o fumo, percentual que foi de apenas 7% no grupo placebo. O remédio, porém, ainda não foi aprovado com essa finalidade no Brasil.

Em relação aos medicamentos no SUS, em 2019 a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) avaliou a inclusão da vareniclina, mas recomendou que o fármaco não fosse ofertado na rede pública pelo alto custo.

Porém, em 2023, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) publicou uma carta aberta em que defendeu oferecer o remédio no SUS citando a existência da vareniclina genérica, que tem custo reduzido, e chamando já a atenção para a “ótima eficácia e tolerabilidade” observada com a citisina, ainda que pendente de aprovação.

Maria Enedina, da SBPT, diz que a entidade vai “buscar entender o processo para que a citisina, já utilizada em outros países, inclusive na forma genérica, seja aprovada para uso no Brasil”.

Hoje, 9,3% dos brasileiros com mais de 18 anos são fumantes, segundo a edição de 2023 do levantamento Vigitel, do Ministério da Saúde. Há 35 anos, em 1989, esse percentual era de 34,8% da população adulta, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) da época.

Cigarros eletrônicos não são alternativa

Um método que seria eficaz para reduzir o fumo convencional adotado por países como Reino Unido e Suécia é o uso de modelos eletrônicos que, embora sejam nocivos, causariam menos danos do que os tradicionais. No entanto, a estratégia não é recomendada nem pela OMS, nem pelas especialistas brasileiras.

— Muitas evidências mostram que uma parcela grande volta a fumar os convencionais e passa a fazer o uso dos dois. Então é uma falsa premissa que os cigarros eletrônicos ajudam a parar de fumar, você não se livra da dependência de nicotina. Fora os problemas que o cigarro eletrônico continua a causar — diz Elnara.

Além disso, Mariana, da ACT, afirma que tem se observado uma dependência maior de nicotina com os cigarros eletrônicos do que a com os modelos convencionais, o que tem levado a uma nova geração de fumantes.

— As pessoas que consomem cigarros eletrônicos estão tendo muito mais dificuldade na hora de parar de fumar. Suspeitamos que seja porque a nicotina nos dispositivos eletrônicos tenha uma absorção muito mais rápida pelo organismo, e estabeleça a dependência química de forma mais significativa. Isso deixa a pessoa dependente mais rápido e com uma intensidade muito forte.

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